Marcos Moraes, Programa de Residência artística FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado. 2010.

A residência artística destaca-se, na atualidade, como uma instituição de relevante papel para o apoio, fomento e desenvolvimento das práticas artísticas, e é possível identificar a origem desta manifestação contemporânea, e de sua proliferação, em todas as partes do mundo, a partir da década de 1990. Nesse sentido, o panorama atual das residências vem se alterando em uma escala vertiginosa e sua relevância, enquanto instrumento de atuação no meio artístico justifica que o fenômeno seja estudado sob as diferentes perspectivas relativas ao processo dessa inserção e seu potencial, o que significa compreender a importância dessas formas de atuação do campo da produção artística.

O crescimento do número das residências em escala global – não planejado, porém fruto das condições e necessidades dos profissionais e instituições – levou à necessidade de organizar, identificar propostas e divulgá-las, surgindo desse contexto a criação de redes a elas relacionadas. A articulação das residências, que se torna mais evidente a partir do início da década de 1990, possibilitou o desenvolvimento de redes como o Resartis, a Alliance of Artists Communities AAC, constituindo-se, dessa maneira, em uma das formas mais ágeis e rápidas de acesso à informação relativa a residências artísticas e programas de residência, em escala global.

Dentre as mais distintas e diversas propostas de projetos e programas de residência existentes há alguns casos exemplares a serem observados menos como paradigma, do que como possibilidades de compreensão da amplitude de necessidades que o quadro geral de produção oferece, de suas dificuldades e, portanto, de suas necessidades de alternativas para continuar a ter caminhos de desenvolvimento de pesquisa e ação artística.

As residências artísticas podem ser identificadas como espaços específicos de criação artística, que se convertem em lugares de trocas e reconhecimento, nos quais os artistas/criadores, com seus trabalhos/intervenções recuperam a complexidade e a diversidade, o significado e o valor das relações entre arte e vida. Nesse sentido, é preciso pensar sobre esses processos de criação, em deslocamento, como forma contemporânea de produção, na qual conceitos como participação, troca e vida coletiva se tornam peças fundamentais em uma estratégia de atuar, como mecanismo de colaboração com a cena artística local e, ainda, como meio de dinamização e circulação de informação e conhecimentos. A residência é, nessa perspectiva, um instrumento de transformação ao promover o estabelecimento de relações mais amplas, do que aquelas que se oferece no ambiente acadêmico, e também em determinados circuitos de atuação, ao mesmo tempo em que permite apontar alguns dos conflitos e contradições da relação entre a arte e seus espaços, incluindo os de formação, como a escola.

Assim, a função atribuída às residências, principalmente nesse caso específico, permite focaliza-las como espaço educacional, no qual transformações se operam, para todos os aspectos e sujeitos envolvidos. No cotejo da materialidade do espaço físico oferecido pelas residências com as falas de seus residentes, verifica-se o despertar, estimular e articular as diferentes memórias do espaço que educa e que transforma.

A ação que se propôs ao criar a Residência Artística FAAP e, a partir dela, procurar mecanismos que pudessem participar desse processo pode ser percebida, também, como uma ‘experiência educacional’. A operação de aprendizado com a experiência na construção de um espaço social que permita alargar os horizontes de compreensão da arte e das relações que constituem a apreensão e transformação do conhecimento, apenas foi lançada. Suas atividades no desenrolar de cinco anos, a partir do desejo e do projeto inicial de ‘viver junto’ permitem um olhar sobre a complexidade e a extensão do campo a ser trabalhado e explorado.

Um exame das informações sobre os residentes, projetos e atividades desenvolvidas pode apresentar algumas perspectivas sobre a extensão acima mencionada. Desde o início de suas atividades, a Residência acolheu quase uma centena de criadores de nacionalidades diversas, de origens culturais e geográficas distintas, com referências de múltiplas perspectivas, e para que estes artistas pudessem colaborar com a ‘universidade’ e com a comunidade, em diferentes modalidades, em programas livres e abertos; ou processos orientados de trabalho e criação; processos individuais e processos coletivos, incluindo atividades participativas, da comunidade, nos processos criativos.

No Programa que a Residência Artística  FAAP propõe é fundamental, ainda, pensar a ampliação dos limites de atuação dos artistas com a possibilidade de acesso a espaço de trabalho, como oficinas, ateliês, laboratórios, estúdios e todas as instalações da Faculdade de Artes Plásticas, que possam facilitar seu processo de criação e trabalho; permitindo ainda o acesso à informação e ao pessoal técnico especializado; portanto em uma ação significativa de colaboração que expande os padrões de cessão de local para acomodação e hospedagem.

A Residência artística FAAP destina-se, também, e efetivamente, a inserir a cidade em um circuito internacional cada vez mais amplo e interligado por ações que visam à discussão e reflexão sobre as possibilidades de colaboração e participação no campo artístico, mas destina-se, de outro lado a inserir o artista na cidade, e em uma especificidade de relação local, ao oferecer-lhe o ambiente central de São Paulo, permitindo-lhe vivenciar e experimentar esta diversidade de situações, manifestações e relações que a região proporciona, e que existe, somente lá, nesta articulação. Sua inserção no meio urbano proporciona, portanto, uma consequente relação com os processos de discussão e reflexão sobre a cidade.

Um programa de residência artística pode ser pensado como uma forma de responder a um sintoma contemporâneo de isolamento. E, a partir da experiência de vida coletiva, as relações de troca são potencialmente capazes de inventar propostas para um tempo novo, configurando-se assim como possibilidade para o viver junto, ponto relevante para a discussão das residências artísticas e que balizou as discussões, propostas e reflexões da 27 Bienal de São Paulo, mas ainda demarcou o início de uma nova fase do programa da Residência Artística da FAAP, e seu sentido da convivência e vida em comum.

A necessidade de buscar formas de experimentar – e vivenciar – o mundo pode explicar esse interesse e necessidade de artistas contemporâneos procurarem as residências, em um mundo marcado pela mobilidade, pela globalização e pela afirmação do local como forma de a firmação a essa, agora, permanente transitoriedade.

A mostra propõe uma reflexão sobre todo esse potencial da residência artística, como um ambiente de formação, de produção e de difusão artística, por intermédio da apresentação de uma diversa gama de referências aos projetos desenvolvidos, pelos criadores que, durante os cinco anos iniciais de atividades – de 2005 a 2010 -, viveram na Residência Artística FAAP.

Marcos Moraes