Gerald Thomas - Exposição FAOP, Fundação de Arte de Ouro Preto - Galeria Nello Nuno 2009.

–Um monte de destroços: não é o que nós, pós-modernos, queríamos?
Por Gerald Thomas

"Londres | Do que estamos reclamando? Quando olho pela janela, aqui em Belsize Park, só vejo verde, plantas e não ouço um único barulho de automóvel, pois moro numa vila onde carro não passa. Mas essa utopia me parece até ridícula, sinto falta do meu último endereço. Era um endereço industrial: Kent Avenue, em Williamsburg, aquela avenida em que só passa caminhão lotado de destroços e lixo, na beira do East River. Foi de lá que vi os ataques ao World Trade Center. Foi de lá que vi as torres caírem. E foi lá, em Ground Zero, que servi como voluntário nos 21 dias subseqüentes, naquele monte de destroços de concreto, destroços de desgraças humanas e asteriscos políticos, em que eu vivia coberto de poeira tóxica vendo as coisas mais horrendas.

Mas já se passaram dois anos. As imagens e a tristeza jamais irão embora e meu ódio contra a política de Bush também jamais desaparecerá. No entanto, consegui criar um distanciamento largo o suficiente para enxergar aquela montanha de destroços como um monumento, uma edificação à iconoclastia, ao pós-modernismo e ao desconstrutivismo pelo qual nós tanto lutamos, militamos, pentelhamos, no século vinte.

Sim, conseguimos quebrar a molécula da arte, como se arte fosse uma ciência e não dependesse de inspiração. A inspiração não é quebrável e talvez não devesse ter sido tão autopsiada como foi, talvez não devesse ter sido tão fragmentada e colocada debaixo da lente do microscópio, com cada uma de suas células exigindo explicações semióticas. Pombas! Que saco foi aquilo tudo. Contra a interpretação! Como ler fotografia, tudo começando com Freud, tudo começando com Schöenberg deformando as notas de Wagner, ou com Duchamp colocando um urinol (com muito bom humor) no lugar de um quadro careta.

A intenção foi das melhores no início, pois a investigação é parte da natureza humana. John Cage foi absolutamente genial em seu "Silence", assim como Andy Warhol foi genial tirando uma lata de sopa do anonimato na prateleira de um supermercado, singularizando-a e colocando-a debaixo dos refletores da fama. Foi genial, de novo, quando inverteu o jogo e fez com Marilyn a mesma coisa. Tirou-a dos refletores e multiplicou-a como se fosse uma lata de sopa e colocou-a nas prateleiras do supermercado, tornando-a acessível e hipercolorida. Como disse, a intenção foi bem-humorada e das melhores. Georges Duhuit foi genial e todos os semiólogos franceses foram fantásticos. Mas hoje, em retrospecto, isso tudo me parece um pouco como uma masturbação sobre um pênis brocha. Desculpem-me a péssima analogia.

E deste excesso de masturbação da impotência, surgiram os manifestos e os mal- humorados. Vieram os Heiner Muellers da vida. Seus manifestos (nada teatrais; alguns deles eu montei, como "Quartett", com Tônia Carreiro e Sérgio Britto; outra vez com Ney Latorraca e Edílson Botelho e em Nova York com George Bartenieffe Crystal Field; ou "Hamletmachine", no La MaMa em Nova York, como um workshop production, eram verdadeiras máquinas de raios-X, que procuravam enxergar a mística e a mítica dentro da musa que constrói a arte e da qual a arte é feita: emoção, impacto e inteligência. Tentar tirar ou entender essas coordenadas de forma científica, é tentar entender porque se ama e isso, sinceramente, faria perder a graça. Logo, em questão de anos, teríamos laboratórios farmacêuticos fabricando pílulas do amor, assim como o elixir do amor em Tristão e Isolda de Wagner (ainda em forma alegórica, na lenda celta).

O desconstrutivismo, portanto, não é somente aquele monte de cacos de destroços de nada que eu vi em Ground Zero e que vejo em tudo que é lugar (metaforicamente, Bush está transformando o mundo nisso). O desconstrutivismo foi e ainda é um laboratório farmacêutico que procurava fórmulas para reproduzir, talvez até clonar o inclonável, ou seja, brincar com o ciclo de vida e com o ciclo da criação que contém a vida e a morte e todas as metáforas, alegorias, parábolas e poéticas que possam estar escondidas atrás da musa inexplicável que nos colocou no planeta.
Como reconstruir alguma coisa? Não sei. Acho que ninguém sabe. A arte está em estado de putrefação. É só dar um pulo em qualquer galeria ou ler os textos de qualquer jovem dramaturgo. Só se fala em suicídio, em corpos moribundos, deformados, assim como se a bomba química já tivesse nos atingido.

Ainda não nos atingiu. O que nos atingiu foi muito pior. Levamos um tiro ideológico e ninguém sabe de onde veio. Não veio da direita, está aí faz décadas. Não veio da esquerda, tampouco. Lembra vagamente a morte de John Kennedy, até hoje um grande mistério, pois ele não morreu por causa da bala de um só Lee Harvey Oswald. E a grande pergunta sempre foi: ele morreu mesmo ou ficou num estado neurovegetativo?
Será que estamos nesse estado? Será que sabemos disso? Será que nos damos conta disso? Olho pela janela do meu apartamento em Belsize Park e só vejo plantas. Realmente, os barulhos dos caminhões da Kent Avenue de Nova York fazem uma falta enorme. Eles fediam. O fedor humano é maravilhoso. O fedor humano que, pelo menos, está vivo."

Obs: Texto apresentado na exposição individual de Bruno Mitre, na Galeria de Arte Nello Nuno / FAOP – Fundação de Arte de Ouro Preto.